sábado, 15 de março de 2008

Os amigos do esquerdo: assalto no supermercado


Num sábado de Inverno a mãe do João, com muitas coisas para fazer em casa, pediu à Avó para lhe ir fazer as compras da semana ao supermercado. O João que estava um bocado aborrecido, com o mau tempo lá fora e a televisão só a dar parvoíces, aceitou o convite para ir com ela. Estava mesmo a apetecer-lhe perder-se nas prateleiras dos brinquedos e fazer um lanchinho de pizza depois das compras. Convenceu a Avó a chamar a Maria, no andar de cima e lá foram os três, com a lista da mãe.
Despacharam as compras com bastante rapidez, porque todos ajudaram e o João até completou com algumas coisas que ele sabia que faziam falta, mas que a mãe não se tinha lembrado.
Não era para admirar, porque a mãe passava imensas horas a trabalhar e, muitas vezes, quando chegava a casa ainda trazia na cabeça as histórias que ficava a conhecer no trabalho. O pai queixava-se “a tua mãe anda sempre na lua”, mas o João não lhe levava a mal, até encontrava vantagens nisso, porque na hora de dormir a mãe contava-lhe algumas dessas histórias interessantes, que tinha lido na sua tarefa de escolher livros para publicar. Por isso, o João foi juntando no carrinho do supermercado aquelas coisas que a mãe tinha esquecido, orgulhoso de poder ajudar: os flocos que ela tomava ao pequeno-almoço, a pasta de dentes dele que se tinha acabado, o shampoo da natação, etc.
Estava a Maria a tirar umas bolachas da prateleira quando chocou com ela um destravado que vinha a correr, para tirar uma caixa da mesma prateleira. A Maria ia começar a protestar: “cuidado!” quando viu quem era: o Pedro que se equilibrou com dificuldade e abriu um sorriso entusiasmado: “Maria! O que estás aqui a fazer?” Ela riu-se: “O mesmo que tu, ora, estou às compras! Vim com a avó do João.” “O João está aí? Onde, onde?” E foram logo ter com o João, que esperava na fila do fiambre.
Estavam as compras feitas, as da lista e as extra lista e chegara a altura do lanche de pizza. Convidaram o Pedro. Os pais dele, que estavam ainda a começar as compras, agradeceram e autorizaram-no a aceitar o convite. Assim ficavam um bocado mais despreocupados para se concentrarem no que precisavam.
A Avó, o João, a Maria e o Pedro sentaram-se na esplanada, cada um com o seu tabuleiro. O carrinho das compras ficou à vista, num canto próximo. Comeram, conversaram e riram. A Avó ouvia-os e também entrava na conversa, ela apreciava bastante a companhia do neto e dos amigos. O Pedro estava muito animado. No caminho tinha vindo a protestar com os pais por ter de ir com eles ao supermercado: “Quando tiver 8 anos quero ficar sozinho em casa quando vocês forem às compras!” “Mas porque é que não posso ficar em casa, eu já sou crescido!” “Eu não abro a porta a ninguém, prometo!” E por aí fora, mas nenhum argumento convencera os pais. E ainda bem, porque entre ficar em casa sozinho ou vir comer pizza com os amigos nem se perguntava o que preferia! Contava esta história aos amigos e todos se riram. Imaginavam perfeitamente o Pedro a fazer uma cena daquele tipo, todo convencido que no ano seguinte já poderia fazer tudo o que agora não o deixavam. A Maria desiludiu-o: "Mas tu pensas que aos oito anos vais ser crescido? Eu tenho oito anos e ainda não me deixam ficar sozinha em casa. A não ser por uns minutos, para irem ao café lá em baixo.” “Mas tu querias ficar sozinha em casa também, Maria?” perguntou a Avó, intrigada. “É que é assim uma coisa de ser maior, percebe, faz-nos sentir menos criança.” respondeu a Maria. Ficou um momento em silêncio e depois continuou: “Eu na verdade às vezes tenho um bocadinho de medo” A Avó riu-se: “Deixa estar, eu também.” O Pedro, fanfarrão disse: “Quando me deixarem eu não vou ter medo nenhum!”
De repente o João, que estava calado a olhar para o lado onde tinham deixado o carrinho com as compras, gritou: “estão a roubar o nosso carrinho!” “O quê?!” Todos olharam para lá, estava um homem, como quem não quer a coisa, a começar a empurrar o carrinho deles, primeiro devagar depois a acelerar. O João levantou-se a gritar: “HEI, esse carrinho é nosso!” O Pedro e a Maria levantaram-se também, o homem desatou a correr, sem largar o carrinho, eles correram atrás dele por ali fora, a Avó vinha logo a seguir, também a gritar: “chamem um segurança, chamem um segurança.” Foi uma grande confusão! O homem, quando se viu assim perseguido, percebeu que para conseguir fugir tinha de deixar o carrinho. Já sem ele continuou a correr no meio das pessoas, mas o João continuou atrás dele e conseguiu passar-lhe uma rasteira que o desequilibrou. Veio um segurança, depois chegou o Pedro, depois a Maria. A Avó chegou daí a pouco, com o carrinho das compras, preocupada se alguém se magoara.
O segurança segurava o homem, que olhava com um ar muito desgostoso para todos. A Avó falou com ele: “Mas o que é que lhe passou pela cabeça, por amor de Deus?” “Têm de vir comigo, vou chamar a Polícia e depois apresentam queixa”, disse o segurança. A avó do João olhava para o ladrão com um ar pensativo. Percebia-se que o homem estava quase a chorar mas a tentar aguentar-se. Então a Avó disse: “Deixe estar, nós não queremos apresentar queixa, recuperámos as nossas coisas e isso é que é importante.” Todos olharam para ela com um ar muito surpreendido. Até o ladrão que deve ter sido o mais surpreendido de todos. “Muito obrigada, minha senhora,” disse ele. “Nem calcula como isso é importante para mim. Peço desculpa, mas é que estou a passar grandes dificuldades de dinheiro e vi ali o carrinho, parecia que ninguém estava a tomar conta dele… Mas afinal este rapaz estava. É corajoso, o miúdo!” “Mesmo que ninguém estivesse a ver o senhor sabia que aquelas coisas eram de alguém.” disse a Avó. “O que o senhor fez não se faz! Mas eu não quero aumentar as dificuldades da sua vida.” O segurança estava um bocado contrariado, mas se a avó não queria apresentar queixa e não tinha chegado a haver realmente um roubo era melhor deixar o homem ir embora. Foi o que fizeram.
Viram-no afastar-se, depois de voltar a agradecer à Avó. Começaram a falar todos ao mesmo tempo, excitados, a discutirem se era certo ou errado deixarem-no ir. A Avó explicou a sua atitude o melhor que conseguiu: “Sabem”, disse ela, “se ele é realmente um ladrão vai voltar a roubar e, mais tarde ou mais cedo, vai ser apanhado. Mas se é apenas um homem normal, a passar por grandes problemas na vida, isto vai servir-lhe de lição e é provável que não volte a fazer uma coisa tão tola.”
Quando se juntaram aos pais do Pedro estes nem queriam acreditar no que lhes contavam, como é que tinha acontecido aquilo tudo em tão pouco tempo?! Mas o pior foi mais tarde, quando chegaram a casa do João. A mãe caiu das nuvens, preocupadíssima: “Só vos acontecem coisas malucas!” E voltando-se para a Avó: “Oh mãe, mas como é que é possível? Como é que deixou os miúdos irem correr atrás dum ladrão? Podia ser perigoso! Estas confusões só se passam mesmo consigo!” “Oh minha querida, deixa estar que tu, no teu tempo, também me arranjaste algumas confusões que não ficaram nada atrás desta!” respondeu a Avó, com um ar muito tranquilo. “Por isso é melhor agradecermos que tudo tenha acabado bem e esquecer o assunto, não acham?”
Mas depois do que a Avó tinha dito não era possível esquecer. A mãe quando era criança tinha-se metido em confusões? Que confusões? Devia ser bem interessante! “Conta, Avó, conta” dizia o João, “conta lá as confusões da minha mãe!” O João e a Maria insistiram e a Avó, que gostava sempre de contar as histórias de antigamente, dispôs-se a contar, mesmo perante o ar desconfiado da filha que nem imaginava que história podia sair dali.

(continua)