sábado, 20 de fevereiro de 2010

O Mistério dos Fatos Desaparecidos - Peça de Teatro

O Mistério dos Fatos Desaparecidos
Autora: Isabel
Grupo-alvo: Crianças de idade pré-escolar e 1º ciclo

Personagens:
Rei
Alfaiate
Rainha
Personagens secundárias, por ordem de entrada em cena:
Lacaio
Ajudante do alfaiate
Ministros (3 falam, mais dois como figurantes)

Era uma vez, num país distante, um rei muito vaidoso, parecido com aquele da história “O Rei Vai Nu” que queria ter sempre fatos novos. Tinha um quarto de vestir onde havia pelo menos uma dúzia de espelhos e todos os dias de manhã o rei se mirava neles, de frente, por trás, de lado e achava-se bonito e elegante. Só depois saía do quarto, todo aperaltado, para os seus afazeres de rei que, como calculam, eram muitos. E durante o dia voltava muitas vezes, para mudar de roupa e fazer novamente o exame da elegância, porque detestava repetir toilletes e queria estar sempre bem vestido, de acordo com as ocasiões. Para se encontrar com o primeiro-ministro vestia-se de uma maneira, para almoçar com a rainha e os príncipes de outra e ainda mudava para ir visitar os seus súbditos, em alguma inauguração que fosse necessário fazer.
À noite havia sempre muitas festas e o rei não suportava não ser o mais bem vestido entre todos os convidados.
No palácio havia um alfaiate, que estava ao serviço da família do rei há muitos anos e que nunca tivera tanto que fazer. Foi preciso contratar-lhe ajudantes e mesmo assim tinham de trabalhar até tarde, às vezes pela noite dentro.

Cena I.
No quarto de vestir do rei. Há vários espelhos de corpo inteiro, dois sofás, um deles com chaise-long e um enorme guarda-fatos que domina a cena. Em cima da chaise long estão vários fatos. O rei, que está acompanhado por um criado, escolhe uma toilette e vai pondo fatos à sua frente, combina-os com sapatos, etc. Queixa-se:
Rei: Não tenho nada de jeito para vestir!
Alguém bate à porta.
Rei: (continuando a mirar-se no espelho) Quem é? O que querem?
Voz detrás da porta: Alteza, os embaixadores estão à sua espera. Está uma hora atrasado.
Rei: Já vou, já vou. (comentando para si próprio, numa voz mais baixa): Não posso aparecer de qualquer maneira na reunião com os embaixadores! Ainda vão dizer que este reino tem um rei mal vestido…
Voltam a bater à porta. O rei ordena ao lacaio, altivo e impaciente:
Rei: Vai dizer que parem de me importunar, pelo rei devem esperar o tempo que for necessário.
O lacaio vai até à porta, abre-a, conversa com alguém que está lá fora e vira-se para dentro, para o rei:
Lacaio: É o ajudante do alfaiate, ele vinha colocar o fato novo de V. Alteza no guarda-fatos.
Rei: Ah, esse podes deixar entrar.
Entra o ajudante do alfaiate, com um fato num cabide, protegido por um plástico transparente, deixando ver o colorido dos tecidos. O rei dirige-se para ele, aprecia o fato e decide.
Rei: É mesmo este que vou usar para a reunião com os embaixadores. Deixa aí, deixa aí.
O Ajudante entrega o fato ao lacaio e vai sair. O rei diz-lhe
Rei: Diz ao teu patrão que quero outro fato para o final desta semana. Para a recepção dos ministros, tenho de estar apresentável.
Ajudante: Sim Alteza, transmitirei as suas ordens ao Sr. Couture..
O Ajudante do alfaiate sai e fica novamente o rei com o lacaio.
O rei canta (enquanto coloca fatos à frente dele, os fatos circulam entre ele e o lacaio como se fossem bolas)

Eu sou o rei elegante.
Estar bem vestido é comigo.
Em qualquer ocasião sou galante.
Perto de mim os ministros parecem mendigos

Eles são uns invejosos
Estão-me sempre a aborrecer
Queixam-se, os ambiciosos
Que eu só quero aparecer

Dizem que não me interesso
Pelos assuntos do reino
Quem pode assinar despachos
Vestindo um fato de treino?

Eu sou o rei elegante.
Estar bem vestido é comigo.
Em qualquer ocasião sou galante.
Perto de mim os ministros parecem mendigos

O lacaio:
Ele é o rei elegante
Está sempre bem vestido
Gosta é de chás dançantes
Nem dá pelo alarido.

Cena II
Numa sala de trabalho do palácio, uma mesa de reuniões, à volta da qual estão sentados alguns Ministros e Notáveis do Reino. Ouve-se lá fora barulho de uma manifestação contra o rei e o governo.
Ministro 1: Meus senhores, isto não pode continuar assim, temos de fazer alguma coisa. Por causa da vaidade do rei ainda vai cair o governo… Ele chega atrasado a todo o lado porque se está a arranjar, interrompe as reuniões a meio para ter tempo de se vestir para o chá… As leis para aprovar acumulam-se na secretária dele. Oiçam lá fora o povo – as pessoas percebem que o reino está sem orientação. Vêm o rei sempre no meio do luxo e criticam-no, pois enquanto ele pensa no que vai vestir para mais um baile o povo fica cada vez mais pobre. Nós também vamos ficar mais pobres, porque vamos ficar sem emprego se não tomamos medidas!
Ministro 2: O ilustre colega tem razão. Devíamos falar com o rei e se ele não nos ouvir devemos fazer alguma coisa.
Ministro 3: Nós já tentámos falar com o rei. A mim recebeu-me no quarto de vestir e tenho ideia que não ouviu metade do que eu disse. Estava lá também o barbeiro, a fazer-lhe um corte novo!
Ministro 1: Eu acho que quem devia governar era a rainha. Ela preocupa-se muito mais com o povo e com o que se passa no reino.
Ministro 3: Sim, ela podia substituir o rei até o príncipe João atingir a maioridade.
Todos: Apoiado, apoiado.
Ministro 3 (continuando): O único problema que eu vejo é que ela gosta do marido e pode ter escrúpulos em tomar o lugar dele, pode pensar que é desleal.
Ministro 2: Eu proponho que vamos falar com a rainha e expor-lhe estas preocupações? Assim ficaremos a saber a sua opinião.
Todos: Vamos, vamos.

Vamos falar com a rainha
Ela é uma mulher sensata
Precisamos que nos diga
Se aceita ser candidata.

Já não suportamos tanta vaidade do rei
Dos assuntos importantes só sabe dizer não sei
Mas se lhe perguntamos qual é a última moda
Fala tanto, tanto, tanto que até nos incomoda.
As cores do Outono-Inverno tem na ponta da língua
Mas ignora por completo se o povo morre à míngua

Vamos falar com a rainha
Ela é uma mulher sensata
Precisamos que nos diga
Se aceita ser candidata.

E saem da mesa, em cortejo, cheios de determinação, dizendo uns para os outros: “vamos falar com a rainha, vamos falar com a rainha”.

Antes de saírem de cena passa a rainha que se encontra com aquele cortejo.
Dizem em coro, ao mesmo tempo que fazem uma vénia: A rainha!
Ela corresponde à vénia, cerimoniosamente.
O ministro 1 dirige-se-lhe:
Ministro 1: Minha rainha, nós os ministros precisamos muito de falar com V. Alteza.
Rainha: Sim? Concerteza que posso falar com os ministros do reino. Venham depois do chá aos meus aposentos e serão recebidos.
Despedem-se com nova vénia e saem de cena, a rainha por um lado os ministros por outro.
Quando fica silêncio a manifestação contra o rei ouve-se mais alta com palavras de ordem como: abaixo o rei, viva a república.

Cena III
Novamente no quarto de vestir do rei. Este procura no armário e não encontra o fato novo que o alfaiate lá devia ter deixado. Era para ele estrear em mais uma festa do palácio, nessa noite. Mas não está lá nenhum fato novo.
O rei chama imediatamente o lacaio a quem manda chamar o alfaiate para lhe pedir contas. Quando o alfaiate chega:
Rei: Sr. Couture, já estou a ficar muito aborrecido com isto. É a terceira vez que devia ter um fato novo aqui e não está cá nada. Diga-me o que se passa.
O alfaiate, intrigado, espreita para dentro do enorme roupeiro, entra mesmo lá dentro.
Alfaiate: Fui eu que deixei aqui mesmo, esta manhã, a sua roupa nova.
Rei: Deixou? Mas não vê que não está cá nada? Você está a tentar enganar-me? Você julga que eu estou maluco?
Alfaiate (à parte) Sempre foi um bocado maluco, mas isso agora não vem ao caso, eu tenho a certeza que deixei aqui o fato! (Voltando-se para o rei): Alteza, longe de mim pensar uma coisa dessas do meu rei. Mas juro-lhe que coloquei no roupeiro o fato de hoje. E também os outros que V. Alteza não encontrou. Só posso concluir uma coisa: alguém anda a roubar-lhe os fatos novos.
Rei: Claro, claro, e eu era um sapo! Quem é que o Sr. Couture acha que se atreveria a vir aos aposentos do rei roubar a roupa nova? Para não falar dos guardas que impediriam os ladrões, mesmo que alguém se atrevesse.
Alfaiate: Não sei como, Alteza, mas sei que o fizeram.
Rei: Oh, homem, não vê que isso é impossível!
Alfaiate (ofendido): V. Alteza está a desconfiar de mim e eu acho que não mereço isso. Já o meu pai trabalhou para o seu e sempre fomos leais à sua família. Mas se desconfia de mim dessa maneira só me resta ir embora.
Rei (apaziguador): Eu sei, eu sei que a sua família sempre foi leal e honesta para com a minha. Mas o que é que eu posso pensar? Só posso ver os factos e concluir a partir daí.
Alfaiate: E eu só posso despedir-me, se já não confiar em mim, mesmo sabendo que é uma grande injustiça. Só lhe peço que me dê a oportunidade de provar que tenho razão e que não sou culpado daquilo de que me acusa.
Rei: Mas como?
Alfaiate: tenho um plano. Oiça-me (e debruça-se para o rei, falando-lhe muito baixo, a explicar o plano)
Rei (depois de ouvir a proposta de plano do alfaiate) É uma ideia um bocado parva, mas em nome da amizade antiga que une as nossas famílias, vou aceitar esse plano. Mas aposto que não vamos descobrir nada.
Alfaiate: Eu aposto o contrário. Se V. Alteza ganhar a aposta pode despedir-me à vontade que eu não protestarei. Mas se eu ganhar a aposta também quero uma recompensa.
Rei: Podes dizer.
Alfaiate: Se eu ganhar a aposta quero que V. Alteza, a partir de agora, só me peça um fato novo por mês.
Rei: Que horror, e as minhas festas? E as minhas reuniões com embaixadores? Queres que fique um maltrapilho?
Alfaiate: (em aparte) Que exagerado, credo! (Voltando-se para o rei, em tom queixoso) Eu tenho trabalhado quase todas as noites e muitos fins-de-semana, por causa da roupa de V. Alteza e a minha mulher já me ameaçou que pede o divórcio se eu não lhe der mais atenção. Por favor, Alteza, não quero ficar sem mulher!
Rei: Arranja mais empregados!
Alfaiate: E vou à falência, não (?) com os ordenados, os impostos e a segurança social… Está bem, faço isso se V. Alteza ganhar a aposta. Mas se perder faz o que lhe peço. Afinal, se acha que não tenho razão o que tem a perder?
Rei (Reflectindo): Também é verdade!... Está bem, aceito a aposta.
Alfaiate: Óptimo, amanhã cá estarei para avançarmos com o plano.

Cena IV:
Novamente nos aposentos do Rei. Chega o alfaiate, com um fato novo pendurado no cabide. O rei está à espera dele. O alfaiate pendura o fato no roupeiro e ele e o rei escondem-se atrás dos sofás do quarto e esperam.
Há uns momentos de silêncio, em que se ouvem ruídos amortecidos, do exterior: barulho de carruagens, de criados que se movimentam nas suas tarefas de limpeza e arrumação, alguém a cantarolar enquanto trabalha no jardim. A certa altura ouvem-se passos, o rei e o alfaiate recolhem-se de modo a ficarem completamente escondidos. Mas os passos afastam-se, ouvindo-se ao mesmo tempo vozes a conversar e a rir. O rei, farto daquela posição, acocorado atrás do sofá, começa a sentir-se ridículo. Levanta-se e dirige-se ao alfaiate:
Rei: Estás a ver, não há ladrão nenhum, tu é que me andas a enganar. Vou sair daqui para fora, estou com fome e é hora do chá!
Alfaiate: Esperemos mais um pouco.
Mal ele acaba de falar, quando o rei vai novamente protestar, ouve-se barulho de passos e o puxador da porta começa a mexer-se. Escondem-se logo atrás dos sofás, fazem silêncio. Alguém, com uma capa larga com capuz que tapa o corpo e a maior parte da cara, entra no quarto em bicos dos pés, procurando não fazer barulho e dirige-se ao roupeiro, abre-o com muito cuidado e pára por momentos, à procura. Depois estende o braço e retira lá de dentro o fato novo. O rei e o alfaiate saltam ao mesmo tempo detrás dos seus esconderijos:
Rei e alfaiate: Ah ladrão, apanhámos-te!!
O ladrão vira-se para eles, surpreendido e assustado. O alfaiate e o rei ficam parados a olhar, incrédulos, para a figura encapuçada que tem o fato novo nas mãos. O capuz cai, para que os espectadores também possam ver quem é o ladrão.
Alfaiate: A rainha!
Rei: Mulher! O que fazes aqui? És tu o ladrão?
Rainha: Fui eu que tirei os fatos mas não sou ladrão! Estou a dar-te uma lição! Já não suporto a tua vaidade. Os nossos filhos e eu não conseguimos ter uma roupa nova, porque o alfaiate está sempre atarefado com as tuas encomendas! As pessoas pensam que tu és um péssimo rei, porque estás mais ocupado com a tua vaidade do que com os assuntos importantes do teu reino. E os teus ministros tentaram falar contigo, mas nunca lhes deste ouvidos. Tinha de fazer qualquer coisa antes que todo o povo se revoltasse e escolhesse outra pessoa para governar. Eu não quero ser rainha regente, quero ter a minha vida, e se isto continuasse não tinha outro remédio.
Rei: O quê? Querem que tu sejas regente? Como se atrevem? Exijo uma explicação.
Rainha: Tu é que tens de explicar como te atreves a gastar tanto tempo e dinheiro contigo e a esqueceres-te dos teus deveres.
Rei: Esquecer-me dos meus deveres? (Fica por um momento pensativo) Mas só um bocadinho… Eu pensava que não precisavam de mim, tenho uns ministros tão despachados, parece que sabem sempre o que é preciso fazer.
Rainha: Precisam da tua assinatura, pelo menos, não é? E tu às vezes perdes o tempo todo a escolher a caneta certa e esqueces-te de assinar… E se pudessem contar com a tua opinião também era bom, não era? Afinal tu és o mais bem pago!
Rei (Continuando surpreendido e com ar de quem nunca tinha pensado nestas coisas): Podiam-me ter dito, não? Porque é que não me disseste?
Rainha: E alguém consegue falar contigo? Ou te zangas ou te distrais. Só te interessas mesmo por ti próprio.
Rei: Eu sou assim?! (Vira-se para o alfaiate para procurar uma opinião mais favorável) Eu sou assim?!
O alfaiate, menos à vontade do que a rainha, acena afirmativamente com a cabeça. O rei olha de um para o outro e parece ir-se abaixo
Rei: Por isso é que tu quiseste fazer aquela aposta…
Alfaiate: Essa também foi uma razão, mas é verdade que a minha mulher ameaçou deixar-me se eu não passar mais tempo com ela…
Rainha: Só tu é que não vias como estavas a ficar chato (em aparte pode fazer daaah)
Rei: Também não precisas de ofender! Está bem, vocês têm razão. Mas era tão divertido… (Virando-se para o alfaiate) Fica descansado que vou cumprir a minha parte da aposta. A Germana vai ter o seu marido de volta.
Depois, dirigindo-se à rainha:
Rei: E tu vais ter o teu também, não te tenho dado muita atenção…
Rainha: Olha, dá atenção aos ministros e ao reino que a minha vida está muito boa assim como está. Eu não quero é ser obrigada a tomar o teu lugar por tu não fazeres o que deves.

A Rainha canta:
Eu não quero ser regente
Muito menos presidente
Por isso vê o que fazes
Senão ainda te arrependes
Não me venhas com cantigas
De romance e atenção
Cumpre lá os teus deveres
Trata da governação.

Alfaiate:
Oh que maravilha, vou poder descansar
Telefono já à Germana
Para ela se preparar
Vamos de fim-de-semana
Para bem longe daqui!
Estou mesmo farto de roupa
Nem queiram imaginar
Só penso em fatos de banho
E nós os dois a nadar.

Rei
Desculpa minha rainha
Peço desculpa ao meu povo
Prometo ocupar-me do reino
E deixar de ser vaidoso
Mas tenho de confessar
Que gosto de ser elegante
Será que se eu me comportar
Posso voltar a ser bem vestido?

FIM
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