sábado, 16 de fevereiro de 2008

História antiquada para o dia dos namorados

Autoria: Novamente a Mãe e a Filha


Era uma vez um jovem príncipe, muito simpático mas também muito difícil de contentar. Sempre que os pais lhe perguntavam porque não se casava, ele respondia: “Porque nunca encontrei uma verdadeira princesa!” E o que queria ele dizer com isto? É que ele não queria apenas uma menina com o título de princesa, queria que ela fosse também uma pessoa delicada, doce e corajosa, como devem ser as princesas de verdade.

Um dia, andava o príncipe a caçar no bosque, com outros amigos cavaleiros quando, numa clareira, viram uma jovem muito bonita. Tinha uns longos cabelos castanhos, olhos grandes, muito escuros, com pestanas negras e longas que tornavam o seu olhar muito doce. O fato cor de rosa que trazia realçava a pele morena que parecia tão de seda como o vestido. Ela estava de pé, junto a uma árvore e, com gestos e gritos, procurava espantar uma raposa que tentava chegar a uma toca onde tremiam uns filhotes de coelho muito pequenos e indefesos. Quando os cavaleiros se aproximaram a raposa, que já estava a recuar, desapareceu por entre as árvores e o príncipe impressionado com a coragem daquela rapariga desmontou e apresentou-se. Ficaram ali os dois a conversar um bom bocado. Ele ficou a saber que ela vivia num outro país e tinha vindo com os pais visitar uns familiares. E, espanto dos espantos, ela era princesa, filha do rei e da rainha do outro país.

Regressando ao castelo o príncipe foi logo anunciar a novidade aos pais: “Encontrei uma princesa de verdade! Vou fazer o que há tanto tempo os pais e o povo desejam: casar com ela. Podem começar a preparar tudo!”

Ora no caso de príncipes e princesas preparar tudo significa, em primeiro lugar, entender-se com os pais da noiva. E o rei, pai da princesa, não queria uma pessoa qualquer para casar com a sua filha. Também ele desejava um rapaz corajoso e bom que pudesse ser para ela um digno companheiro para a vida. Assim disse ao príncipe: “Só podes casar com a minha filha se conseguires passar três provas:
Na primeira terás de vencer um torneio com o cavaleiro mais valente do meu reino. Na segunda terás de trazer o tesouro da bruxa má que vive na floresta e anda sempre a lançar feitiços sobre o meu povo. Na terceira tens de conseguir que a minha filha goste de ti e queira casar contigo.”

O príncipe estava muito apaixonado e por isso aceitou fazer aquelas provas.

Prepararam o torneio no castelo: numa grande praça construíram bancadas para quem quisesse assistir e um palanque onde se instalaram os reis com as suas famílias. Tudo enfeitado com fitas coloridas e estandartes esvoaçantes, que era esse o hábito naqueles países. Veio o cavaleiro valente com uma armadura brilhante e começou a luta. Os adversários tinham umas lanças compridas com as quais tentavam deitar o outro abaixo do cavalo; cavalgavam um em direcção ao outro, levantando nuvens de pó, cruzavam as lanças com toda a força e avançavam por ali fora até que voltavam novamente à carga. Das bancadas chegavam gritos: “força, príncipe, força” ou “força cavaleiro valente”, cada povo apoiava o seu favorito. Eles, animados por estas vozes lutavam ainda com mais entusiasmo. Eram ambos muito bons cavaleiros, hábeis a manejar as lanças, por isso era difícil saber quem ia ganhar. Até que o príncipe conseguiu dar uma lançada muito certeira e, com a ajuda do seu cavalo que se inclinou no momento certo, fez o adversário cair. Foi então declarado vencedor e aclamado por todo o povo. Já muita gente pensava que ele merecia casar com a princesa.

Mas havia mais provas a ultrapassar. Passados os festejos pela vitória no torneio, o príncipe começou a preparar-se para enfrentar a bruxa. Felizmente vinte anos atrás, no tempo do seu nascimento, os pais tinham tido a boa ideia de convidar para madrinha uma fada que vivia no seu reino. Agora foi procurá-la para se aconselhar sobre a melhor forma de lidar com a bruxa. Afinal bruxas e fadas têm um trabalho parecido, a diferença é que umas usam os seus poderes para fazer o mal e as outras usam-nos para fazer o bem. Mas são ambas entendidas em feitiços. A fada-madrinha ouviu com atenção o afilhado e depois de lhe explicar como podia defender-se de alguns feitiços, como por exemplo evitar que a bruxa o transformasse num rato, deu-lhe uns pós mágicos que faziam dormir.

O príncipe foi então para a floresta procurar a casa da bruxa que não demorou a encontrar. Tinha uma clareira à volta em que as árvores e as ervas em vez de serem verdes eram negras, como se um incêndio tivesse passado por ali. Por sorte a bruxa tinha saído para apanhar minhocas, aranhas e pelos de morcego para as suas poções. Ele escondeu-se dentro da casa, à espera que ela voltasse. “Cheira-me a carne humana” disse a bruxa para o seu corvo de estimação quando estava a entrar em casa (ela tinha um olfacto muito apurado, como o ogre do conto “O Pequeno Polegar”). Mas não teve tempo para dizer mais nada, porque o príncipe lançou os pós de fazer dormir e ela caiu logo ali redonda e começou imediatamente a ressonar. O corvo voou a grasnar, mas os pós também o tinham atingido e só teve tempo de chegar ao seu poleiro, antes de ir fazer companhia à dona, no mundo dos sonhos. O príncipe de seguida foi procurar o tesouro que estava, imaginem, ao lado do caldeirão onde a bruxa cozinhava as suas poções, tão segura ela estava de que ninguém se atreveria a chegar perto da sua casa.

Foi logo levar o tesouro ao rei – pai da princesa, muito aliviado por ter conseguido vencer a bruxa. Este ordenou-lhe: “Agora terás de decidir o que fazer com todo este ouro e estas pedras preciosas.” O príncipe respondeu: “Já que a bruxa tem prejudicado tanto o povo deste reino, queimando as culturas, destruindo-lhes casas e outras acções maléficas eu decido que o tesouro deve ser dividido entre todas as pessoas a quem ela fez mal.” Então o rei disse: “Esta era a parte mais importante desta prova e tu acabas de passá-la: revelaste que o teu coração é tão generoso como valente e por isso tens o meu consentimento para casar com a minha filha. Mas falta a terceira prova: tens de conseguir que ela te aceite, pois eu não sou daqueles pais antiquados que decidem pelas filhas com quem elas devem casar-se.”

E o príncipe partiu para a terceira prova: conquistar o coração da princesa. Comparada com as tarefas anteriores, esta até parece fácil, não é? Mas não foi bem assim. Sabem porquê? Porque, como todos os apaixonados perto da mulher amada, ele ficou um bocado tímido. A fada-madrinha foi novamente uma ajuda preciosa. Explicou-lhe que as raparigas, especialmente as verdadeiras princesas, gostam muito de conversar e de ouvir palavras bonitas e preferem os rapazes que se mostram atenciosos e bons companheiros. Que dão mais valor à oferta de uma flor do que a uma prenda que custe muito dinheiro. O príncipe seguiu os seus conselhos e passou uns belos momentos de conversa com a princesa, passeando pelos jardins do palácio. Levou uma rosa vermelha para lhe oferecer e, pelo sim pelo não, vestiu um bonito fato. Foi assim que a pediu em casamento e prometeu que ia ser um bom marido. A princesa tinha admirado bastante a valentia do príncipe no torneio. Não gritara, como os espectadores das bancadas, mas baixinho torcera por ele. E pensava que ele fora muito corajoso ao aceitar todos os desafios que o rei seu pai lhe impusera. Tinham sido grandes provas de amor e não há dúvida que merecia o amor que ela também sentia por ele. Por isso aceitou a flor e a promessa e disse: “Está bem, eu caso contigo”.

Foram depressa contar a novidade aos respectivos pais. Estes ficaram muito satisfeitos. Anunciou-se logo o casamento que foi ocasião de grande alegria e divertimento para os habitantes dos dois reinos. Naqueles dias (porque a festa do casamento durou vários dias) não houve fronteiras, todos foram convidados a participar na festa, comendo, cantando e dançando. Menos a bruxa, claro, que continuava a dormir e ainda não sabia de nada.

No fim da festa os recém-casados partiram em viagem. No regresso instalaram-se num palácio construído mesmo na fronteira entre os dois reinos, tiveram muitos filhos e viveram felizes para sempre.
FIM

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O Mistério dos Fatos Desaparecidos - II Parte


Autoria: Ideias da Filha, escrita da Mãe

Então uns dias depois, quando o fato seguinte ficou pronto, o alfaiate colocou-o no enorme armário das roupas. Tinha chamado o rei e juntos esconderam-se atrás dos sofás do quarto e esperaram. Estava tudo silencioso à volta deles, só se ouviam ao longe os ruídos da vida no palácio, amortecidos pelos cortinados espessos: carruagens que chegavam e partiam, criados que se movimentavam nas suas tarefas de limpeza e arrumação, o jardineiro que trabalhava no jardim e cantarolava enquanto arrancava ervas daninhas. A certa altura ouviram-se passos, eles pensaram que finalmente o ladrão ia aparecer. Mas logo vozes acompanharam os passos, eram algumas damas do palácio que conversavam e riam, a caminho do chá. O rei, farto daquela posição, acocorado atrás do sofá, começou a sentir-se ridículo: “Ora aí está”, disse ele, “não há ladrão nenhum, tu é que me andas a enganar. Vou sair daqui para fora, estou com fome e é hora do chá!” “Esperemos mais um pouco”, disse o alfaiate e ia acrescentar mais qualquer coisa quando o puxador da porta começou a mexer-se. Esconderam-se melhor atrás dos sofás, fizeram silêncio, suspenderam a respiração. Alguém entrou no quarto em bicos dos pés, procurando não fazer barulho e dirigiu-se ao roupeiro, abriu-o com muito cuidado e parou por momentos, à procura. Depois estendeu o braço e retirou lá de dentro o fato novo. O rei e o alfaiate ainda não tinham visto quem era, esperavam para apanharem o ladrão mesmo a tirar o que procurava. Quando ouviram o ruído do tecido saltaram ao mesmo tempo detrás dos seus esconderijos: “Ah ladrão, estás apanhado!”

E qual não foi o seu espanto quando viram... a rainha. Era mesmo ela, com o fato novo nos braços, virando-se muito surpreendida. Mas rapidamente recuperou do espanto e enfrentou-os, furiosa com o rei: “Apanhaste-me sim senhor, mas o que eu queria era dar-te uma lição e está dada! Já não suportava a tua vaidade. Os nossos filhos e eu não conseguimos ter uma roupa nova, porque o alfaiate está sempre atarefado com as tuas encomendas! As pessoas pensam que tu és um péssimo rei, porque estás mais ocupado com a tua vaidade do que com os assuntos importantes do teu reino. E os teus conselheiros tentaram falar contigo, mas nunca lhes deste ouvidos. Tinha de fazer qualquer coisa antes que todo o povo se revoltasse e escolhesse outra pessoa para governar.”

Agora o surpreendido era o rei. Nunca tinha pensado nas coisas desta maneira. Também nunca ninguém lhe tinha falado assim, porque ninguém se atrevia, afinal ele era o rei. Por momentos lembrou-se das conversas dos seus conselheiros e ministros, da aposta que tinha feito com o costureiro. Olhou de novo para a rainha e reparou que ela era muito bonita e ainda mais assim, zangada, com os olhos brilhantes. Percebeu que todos os que lhe tinham chamado a atenção para o excesso da sua vaidade tinham razão e em vez de chatos, como ele os tinha chamado, eram os seus verdadeiros amigos.

Voltou-se para o alfaiate e pediu-lhe desculpa pela falsa acusação que lhe fizera. Disse como estava arrependido e tencionava cumprir a sua parte da aposta que tinha perdido, pedindo apenas os fatos novos que fossem necessários. Depois, dirigindo-se à sua mulher, agarrou carinhosamente na mão dela e disse: “E tu perdoa-me também, minha rainha. Tenho sido muito parvo. Será que aceitas vir lanchar comigo, só nós dois, para te mostrar como estou arrependido? Ela que, apesar de tudo, gostava dele respondeu: “Aceito, quero bolo de nozes e chá de jasmim.” E pela primeira vez, desde há muitos anos, o rei esqueceu-se de mudar de roupa para a hora do chá.

FIM

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O Mistério dos Fatos Desaparecidos - I Parte

Autoria: Ideias da Filha, escrita da Mãe

Era uma vez, num país distante, um rei muito vaidoso, parecido com aquele da história “O Rei Vai Nu” que queria ter sempre fatos novos. No quarto dele havia pelo menos uma dúzia de espelhos e todos os dias de manhã o rei se mirava neles, de frente, por trás, de lado e achava-se bonito e elegante. Só depois saía do quarto, todo aperaltado, para os seus afazeres de rei que, como calculam, eram muitos. E durante o dia voltava muitas vezes, para mudar de roupa e fazer novamente o exame da elegância, porque detestava repetir toilletes e queria estar sempre bem vestido, de acordo com as ocasiões. Para se encontrar com o primeiro-ministro vestia-se de uma maneira, para almoçar com a rainha e os príncipes de outra e ainda mudava para ir visitar os seus súbditos, em alguma inauguração que fosse necessário fazer.

À noite havia sempre muitas festas e o rei não suportava não ser o mais bem vestido entre todos os convidados.

No palácio havia um alfaiate, que estava ao serviço da família do rei há muitos anos e que nunca tivera tanto que fazer. Foi preciso contratar-lhe ajudantes e mesmo assim tinham de trabalhar até tarde, às vezes pela noite dentro.

Alguns dos conselheiros do rei chamavam-lhe a atenção porque, com aquela vaidade toda, ele não pensava em mais ninguém e acabava por não ser um bom governante. Gastava muito dinheiro e tempo a vestir-se e a ver-se ao espelho e não se ocupava dos assuntos do reino como deve ser. Mas o rei não os ouvia, dizia que eles tinham era inveja da sua elegância, o que deixava os conselheiros muito descontentes. Já faziam reuniões para resolver o problema, diziam uns para os outros que o melhor era substituir aquele rei pela rainha ou por um dos seus filhos que seriam melhores para o povo.

Um dia, depois do jantar, o rei dirigiu-se ao quarto, para vestir um fato novo que o alfaiate lá devia ter deixado. Era para ele estrear em mais uma festa do palácio, nessa noite. Mas não estava lá nenhum fato novo. O rei chamou imediatamente o alfaiate, para lhe pedir contas. Este, muito espantado, viu que o fato tinha desaparecido. Só que o rei não acreditou e acusou-o de não ter feito roupa nenhuma e estar a querer enganá-lo. Nada do que o alfaiate disse o convenceu e o rei ameaçou que o castigava se voltasse a acontecer uma coisa daquelas.

E é que aconteceu mesmo: a partir daí, cada vez que o rei ia mudar de roupa e contava encontrar no roupeiro mais um fato novo de tecido delicado e colorido, só lá estavam os que já tinha usado e não tinha outro remédio senão vestir um deles. Os súbditos, que já andavam a ficar irritados com aquela mania do rei vaidoso, começaram novamente a achá-lo mais simpático, a pensar que ele tinha mudado e que talvez se transformasse finalmente num bom rei.

Mas ele não se conformava e, depois de muito discutir com o alfaiate, disse que o despedia e que ia contratar outra pessoa em quem pudesse confiar. O alfaiate não achou graça nenhuma ao caso. Ele sabia que tinha posto a roupa nova no armário e que ela não estava lá quando o rei chegava. Não estava disposto a ser despedido por causa de uma coisa que não tinha feito, sem primeiro tentar descobrir o que se estava a passar. Disse ao rei:
-Está bem, V. Alteza despede-me mas antes tem de me dar a oportunidade de descobrir quem anda a roubar os seus fatos. Porque está a cometer uma grande injustiça e ainda se vai arrepender.
O rei gostava dele e, principalmente, tinha muita consideração pelo seu gosto e pela sua competência profissional, por isso disse:
-Eu dou-te essa oportunidade que me pedes. Diz-me o que tencionas fazer.
O alfaiate contou-lhe o plano em que tinha pensado e até apostou com o rei que nunca mais fazia um fato se não descobrisse aquele mistério e provasse que tinha razão. Queria que o rei, por sua vez apostasse que se ele, alfaiate, tivesse razão se tornava mais razoável e só pedia fatos novos quando fosse realmente necessário. Como toda a gente no reino já estava um bocado farto daquela vaidade, apesar dela lhe proporcionar um bom emprego. Tinha vontade de trabalhar para outras pessoas, experimentar outros gostos, por exemplo o da rainha, que era muito elegante, mas em quem o rei pouco reparava, ocupado com a sua própria figura. (continua)